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20/12/2013 - 03h40
O prefeito de São Paulo, Fernando Haddad, do PT, espalhou faixas exclusivas de ônibus cidade afora, onde são e onde não são necessárias. Pragmatismo é coisa de gente chulé. Pensadores lidam com conceitos e com abstrações que estão acima da contingência e livres do império da necessidade. Haddad quer ver triunfar um valor: o "coletivo". Pretende, com o didatismo da porrada, ensinar a essa gente inzoneira que o individualismo é uma chaga moral.
Se a vida dos motoristas --convencidos a comprar carro pelo crédito fácil estimulado por Lula e Dilma-- virou um inferno pior do que antes, que migrem para o transporte público. O prefeito sabe "que não se faz omelete sem quebrar ovos", frase que não é de Stálin, mas de Nadejda Mándelstam, casada com o poeta Ossip Mándelstam, um dos 35 milhões que o ditador matou. Nadejda se referia à sem-cerimônia com que o bigodudo eliminava pessoas, sempre "com a desculpa de que construíamos um notável mundo novo".
Haddad tem a convicção, percebi pelas entrevistas que concedeu a esta Folha e ao "Valor", de que está construindo uma notável cidade nova. Afinal, se o coletivo se opõe ao individual e lhe é moralmente superior --e até parte considerável da imprensa, vivendo seus dias de apagão bibliográfico, acha o mesmo--, ele só pode estar certo. O prefeito quebra ovos com metódica desfaçatez. Só não consegue fazer omeletes. Aos poucos, a cidade vai recuperando a memória do caos.
A "cracolândia" voltou a seus dias de esplendor, estimulada pela mal digerida política de redução de danos. Voltou, mas num estágio superior. Agora já há uma "civilização do crack", com seus teóricos, seus artistas, até sua arquitetura... Logo os veremos no "Esquenta", da Regina Casé. Se viciados em clarineta, Chicabon ou cigarros Hollywood decidissem privatizar uma área da cidade, cassando direitos de terceiros, impondo-lhes uma disciplina ao arrepio da lei, não duvidem de que seriam reprimidos. Clarineta, Chicabon e Hollywood não alcançaram ainda o estatuto de uma cultura de resistência.
O desgraçado que mora no centro da cidade que pague o "Imposto Michel Foucault" --refiro-me ao filósofo que está na raiz desse pensamento torto que advoga, no fim das contas, que o direito à autodestruição supõe a supressão de direitos alheios. Foucault, esquerdista e gay, é aquele senhor que via na revolução iraniana um fervor, acreditem!, erótico! Khomeini chegou ao poder e começou a fila de enforcamentos pelos... esquerdistas e gays. O "despensador" morreu em 1984 sem emitir um pio de arrependimento. "Qual a razão do rosnado digressivo, seu reacionário?" A exemplo de Foucault, Haddad acha que sua teoria está certa; a realidade é que perdeu o rumo.
Só um intelectual de esquerda, ou alguém com tal pretensão, age como Haddad. Não por acaso, Lula, um notável e pernóstico conservador, nutre por essa gente imenso desprezo. O Barba é da turma do pragmatismo chulé. "E por que fez o outro candidato?" Porque mirou num produto eleitoral, não num gestor. O prefeito é o esquerdista que parece brincar no "play" sem sujar o shortinho. Mas alimenta ideias bem malvadinhas. O caso do IPTU repete a receita aplicada nos transportes e na cracolândia: o arranca-rabo de classes.
Compreensível. Em 2004, pouco antes de assumir o Ministério da Educação, Haddad escreveu num livro intitulado "Trabalho e Linguagem - Para a Renovação do Socialismo" a seguinte pérola: "O sistema soviético nada tinha de reacionário. Trata-se de uma manifestação absolutamente moderna frente à expansão do império do capital". Bacana. Lênin, o fundador do "sistema" que ele exalta, deixou para a história um pensamento inequívoco: "Uma revolução sem pelotão de fuzilamento não faz sentido". Haddad, o acólito, é um homem em busca de sentido.
Reinaldo Azevedo, jornalista, é colunista da Folha e autor de um blog na revista "Veja". Escreveu, entre outros livros, "Contra o Consenso" (ed. Barracuda), "O País dos Petralhas" (ed. Record) e "Máximas de um País Mínimo" (ed. Record). Escreve às sextas-feiras.
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