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Com palavras e imagens, esta página tenta apressar a chegada do futuro que o Brasil espera deitado em berço esplêndido. E lembrar aos sem-memória o que não pode ser esquecido.
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29/04/2014 às 7:21 \ O País quer Saber
Especial Veja: Carlos Heitor Cony, o cronista na trincheira
Publicado na edição impressa de VEJA
Um pouco a contragosto, a caminho de casa, o homem mais forte se apoia no braço do mais fraco, que segura um enorme guarda-chuva aberto sobre a cabeça de ambos. Estão sem palavras, embora fossem homens de palavras: Carlos Heitor Cony (o mais forte, fragilizado por uma operação de apendicite) e Carlos Drummond de Andrade (o mais fraco, porém generoso com o convalescente). Chovia em Copacabana naquele 1º de abril de 1964 e eles haviam acabado de ver uma cena quase surreal. No meio da rua, um oficial empilhava dois paralelepípedos — dois míseros paralelepípedos — com o objetivo de “deter os tanques do I Exército”, caso houvesse resistência ao golpe. Na verdade, o comandante do I Exército, general Armando de Moraes Ancora, leal ao governo, já havia desistido, com palavras que ficaram conhecidas. “Já decidi que não vou abrir fogo contra os cadetes, porque será um peso que não tirarei mais de cima de meus ombros — matar a mocidade militar da minha terra”, disse quando soube que alunos da Academia Militar das Agulhas Negras marchavam com os rebelados.
Cony só pensava na risível trincheira, que acabou na sua crônica publicada no dia seguinte no jornal Correio da Manhã: “O I Exército, em sabendo que havia tão sólida resistência, desistiu do vexame: aderiu aos que se chamavam rebeldes. (…) Recolho-me ao meu sossego e sinto na boca um gosto azedo de covardia”. Política, “um assunto que eu desprezava”, não aparecia até então em suas crônicas, embora tivesse dado palpites, por telefone, ao editorial publicado em 1º de abril, sob o título “Fora!”: “A Nação não mais suporta a permanência do senhor João Goulart à frente do governo. (…) Jogou os civis contra os militares, os militares contra os próprios militares. É o maior responsável pela guerra fratricida que se esboça no território nacional”. Ninguém esperaria, portanto, que, no dia 2, Cony assinasse uma crônica como aquela, ironicamente intitulada Da Salvação da Pátria.
Era só o começo. Da sua trincheira de palavras, passaram a ser lançados paralelepípedos fulminantes contra o novo regime, chamado de Revolução dos Caranguejos. “Qualquer violência que praticarem contra mim terá um responsável certo: o general Costa e Silva”, disparou ele em 5 de maio. Cony chegou a ceder seu espaço no Correio — que logo romperia com o regime — para que outros protestassem. Em colaboração com o escritor e, à época, militante comunista Ferreira Gullar, cutucou: “Os intelectuais brasileiros precisam, urgente e inadiavelmente, mostrar um pouco mais de coragem e de vergonha”. Servindo de exemplo ao próprio apelo, Cony foi preso pela primeira vez no ano seguinte, no famoso ato de protesto de um pequeno grupo de intelectuais na entrada do Hotel Glória, quando olhou bem para o presidente Castello Branco e disparou um palavrão que pode ser resumido em três inconfundíveis letras: “fdp”.
Colaboradores: André Petry, Augusto Nunes, Carlos Graieb, Diogo Schelp, Duda Teixeira, Eurípedes Alcântara, Fábio Altman, Giuliano Guandalini, Jerônimo Teixeira, Juliana Linhares, Leslie Lestão, Otávio Cabral, Pedro Dias, Rinaldo Gama, Thaís Oyama e Vilma Gryzinski.
Tags: 1964, Carlos Heitor Cony, Especial VEJA, golpe militar
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28/04/2014 às 7:28 \ O País quer Saber
Especial Veja: Francisco Julião – Nem na lei, nem na marra
Publicado na edição impressa de VEJA
Foi como se nada tivesse acontecido do lado de fora da Câmara. O deputado pernambucano Francisco Julião, do Partido Socialista Brasileiro, líder das Ligas Camponesas – a entidade que cresceu defendendo salários justos para os trabalhadores do campo, caixões mais baratos para as crianças ceifadas pela alta mortalidade infantil e a reforma agrária (“na lei ou na marra”) –, fez na tarde de 31 de março de 1964 seu último discurso antes do exílio. “Quero desta tribuna dizer que quem está nas ruas não é a revolução, é a contrarrevolução. (…) Não há de ser um banqueiro que vai salvar o Brasil. Quem vai salvar o Brasil é seu povo, são os trabalhadores, a sua gente humilde.” Foi aparteado uma única vez pelo deputado Adauto Cardoso, da UDN, que se ergueu para dizer que seu partido “não anistiaria os promotores da anarquia”.
Daquela tarde até 7 de abril, Julião passou os dias fechado no Congresso. Quando viu que a prisão era iminente, salvou-o uma carona no táxi do mesmo Adauto Cardoso. Numa folha de jornal, Adauto rabiscou um bilhete a Julião: “Está tudo perdido”. Na primeira etapa rumo à fuga que o levaria ao México, Julião foi parar – disfarçado, com codinome Antônio – numa manifestação em Belo Horizonte convocada pelo general Mourão Filho e pelo governador Magalhães Pinto, o banqueiro.
Julião e as ligas ganharam destaque internacional numa série de artigos do New York Times de 31 de outubro e 1º de novembro de 1960 escrita pelo jornalista Tad Szulc, que depois se tornaria um respeitado biógrafo de Fidel Castro e João Paulo II. Um trecho: “O surgimento de uma situação revolucionária é cada vez mais nítido por toda a vastidão do Nordeste brasileiro, golpeado pela pobreza e afligido pela seca”. Para o sociólogo Josué de Castro, que fazia a cabeça da esquerda naquele tempo, as linhas escritas por Szulc poderiam ser comparadas a “uma segunda carta de Pero Vaz de Caminha”.
O Nordeste virou preocupação para o governo dos Estados Unidos. Grupos de parlamentares começaram a visitar o que parecia uma Cuba em gestação, inclusive pelo treinamento de guerrilha dado a militantes da liga. Na verdade, quando o golpe eclodiu, as Ligas Camponesas já tinham sido enfraquecidas pelo próprio governo Goulart, que irrigara o caixa dos sindicatos. Em seu derradeiro palavrório, Julião anunciou “dispor de 500 000 camponeses para responder aos gorilas”. Nenhum camponês apareceu para o enfrentamento. Nem na lei, nem na marra.
Colaboradores: André Petry, Augusto Nunes, Carlos Graieb, Diogo Schelp, Duda Teixeira, Eurípedes Alcântara, Fábio Altman, Giuliano Guandalini, Jerônimo Teixeira, Juliana Linhares, Leslie Lestão, Otávio Cabral, Pedro Dias, Rinaldo Gama, Thaís Oyama e Vilma Gryzinski.
Tags: 1964, Especial VEJA, Francisco Julião, golpe militar
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27/04/2014 às 7:31 \ O País quer Saber
Especial Veja: Arthur da Costa e Silva, um duro entre os duríssimos
Publicado na edição impressa de VEJA
“Assumo eu o comando do Exército, por ser o mais antigo dos generais presentes no Rio.” Com essas palavras, Arthur da Costa e Silva definiu a mudança de regime num Palácio da Guerra quase vazio, em 1º de abril de 1964. Também esboçou um racha que se replicaria ao longo das duas décadas de ditadura. O golpe militar havia sido orgânico, brotando como uma força coletiva dos diversos comandos, unificados pelo que viam como a destruição iminente das Forças Armadas. Mas nem bem começava a dança dos quepes e a organicidade já tinha ido para o espaço.
O comando do movimento e do país passou a ser disputado por Humberto Castello Branco, líder do grupo chamado de Sorbonne, e pelo próprio Costa, apelidado de Croupier, mais antigo, mais bem qualificado como primeiro da turma na disputa da Escola Militar que se prolongava por toda a duração da carreira dos envolvidos e mais rápido em assumir posições de controle nas horas decisivas de desmantelamento do governo.
Com alguma resistência, o “homem da tropa”, que em 1º de abril se autodesignou chefe do Comando Supremo da Revolução, perdeu para o rival mais intelectualizado e melhor de articulação. “Muito astucioso e muito esperto”, como definiu Carlos Lacerda, o governador com quem se atritou logo nos primeiros dias do novo regime, o Croupier teria de esperar a sua vez na trincheira poderosa do Ministério da Guerra. Assim resumiu o historiador Hélio Silva os choques daí decorrentes: “Em um momento crucial, uma ala extremada, que constituía a associação Líder, considerou a hipótese da deposição de Castello. A ocasião esperada era um almoço, na Vila Militar, a que compareceram Castello e Costa e Silva. O ministro da Guerra, porém, preferiu manter Castello sob custódia. Assim, quando sua candidatura foi levantada, não havia quem a ela se opusesse”.
O bigode, a cara de mau e os óculos escuros fariam de Costa e Silva a imagem estereotipada do ditador latino-americano. Mas o homem que endureceu a ditadura e assinou o Ato Institucional nº 5, uma aberração liberticida do começo ao fim, planejava uma espécie de redemocratização, mesmo à sua moda. Pretendia anunciá-la no 7 de setembro de 1969. Em 28 de agosto, começou a sentir dificuldade para falar e outros sintomas de trombose. Embarcado em Brasília, desceu no Rio e pronunciou suas últimas palavras para a mulher, Yolanda, que sempre lhe pedia repouso: “Você tinha razão”. Morreu três meses e meio depois. Uma linha mais dura ainda já estava no poder.
Colaboradores: André Petry, Augusto Nunes, Carlos Graieb, Diogo Schelp, Duda Teixeira, Eurípedes Alcântara, Fábio Altman, Giuliano Guandalini, Jerônimo Teixeira, Juliana Linhares, Leslie Lestão, Otávio Cabral, Pedro Dias, Rinaldo Gama, Thaís Oyama e Vilma Gryzinski.
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26/04/2014 às 7:02 \ O País quer Saber
Especial Veja: Ranieri Mazzilli, o presidente de plantão
Publicado na edição impressa de VEJA
“Vamos para o palácio, pois o senhor vai ter de assumir a Presidência.” Não é qualquer político que ouve uma frase dessas, mas Paschoal Ranieri Mazzilli, filho de imigrantes italianos que havia ascendido a presidente da Câmara, não era calouro no assunto: já preenchera lacunas interinas quatro vezes, a mais importante delas depois da renúncia de Jânio Quadros. Nem por um minuto teve a ilusão de que naquela madrugada de 2 de abril de 1964 seria diferente. Sabia que era uma espécie de presidente de plantão para emergências, à altura da brincadeira picante que o comparava a um absorvente feminino: o homem que sempre estava no melhor lugar, nos piores dias, para evitar derramamento de sangue.
Seguindo o presidente do Senado, Auro de Moura Andrade, que havia ajudado o impulso golpista ao declarar a vacância da Presidência, e um grupo de deputados paulistas, todos armados, Mazzilli chegou a um Palácio do Planalto às escuras onde se desenrolou uma cena de cinema. No 4º andar, Darcy Ribeiro e Waldir Pires imaginavam resistir em nome do governo deposto. No 3º, iluminado por palitos de fósforo até que se encontrasse um contínuo para acender a luz, Mazzilli tomava posse às 3h45 da madrugada. Entre os presentes, deputados que se tornariam vultos da futura oposição, como Ulysses Guimarães e Nelson Carneiro.
Mazzilli era presidente da República pela quinta vez, seu juramento de lealdade à Constituição não valia nada e mandava menos do que nunca. Ocupou o cargo por treze dias, enquanto o poder armado articulava a eleição do general Castello Branco no Congresso. Ribeiro e Pires deixaram o palácio. Mazzilli pediu garantias ao general Costa e Silva. Não houve derramamento de sangue.
Colaboradores: André Petry, Augusto Nunes, Carlos Graieb, Diogo Schelp, Duda Teixeira, Eurípedes Alcântara, Fábio Altman, Giuliano Guandalini, Jerônimo Teixeira, Juliana Linhares, Leslie Lestão, Otávio Cabral, Pedro Dias, Rinaldo Gama, Thaís Oyama e Vilma Gryzinski.
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25/04/2014 às 7:36 \ O País quer Saber
Especial Veja: Abelardo Jurema – Memórias da sexta-feira, 13
Publicado na edição impressa de VEJA
“O presidente João Goulart dormiu sob os louros de uma noite de massas empolgadas por seu governo e não ouviu os tropéis de uma cavalgada que partiu dos setores que se assustaram, incentivados por um jogo político que vinha de muito longe, que vinha desde quando, pela primeira vez, depuseram Getúlio Vargas.” Num livro iniciado no calor dos acontecimentos, quando ainda estava asilado na Embaixada do Peru, o paraibano Abelardo Jurema, ministro da Justiça do governo recém-derrubado, descreveu assim o turbilhão que marcou o salto no abismo de Jango, o comício da Central do Brasil. Intitulou-o com a data de mau agouro em que a radicalização tomou conta do palanque: Sexta-feira, 13.
Dezenove dias depois, na tarde de 1º de abril, Jurema resolveu seguir para Brasília, como já havia feito o presidente a quem serviu com lealdade. Percebeu que nunca chegaria lá pelos olhares dos oficiais que o acompanhavam no aeroporto militar do Santos Dumont. Uma patrulha dos golpistas já vitoriosos chegava com a ordem de levá-lo preso. Com eles seguiu para a Escola de Comando e Estado-Maior do Exército, na Praia Vermelha. Entre os muitos erros de condução dos assuntos políticos e militares cometidos por Jango, a quem sempre se referia com simpatia, anotou mentalmente mais um: “Como estavam enganados aqueles que subestimavam as escolas do Exército e que, para elas, fizeram concentrar toda a oficialidade hostil ao governo da República”. No coração do movimento golpista, Jurema viu uma “oficialidade disposta a tudo. Nas fisionomias de cada um senti lampejos até de ódio”.
Nesse ambiente, foi um alívio ser recebido com “cortesia e respeito” pelo comandante, general Jurandir Bizarria Mamede. Surrealisticamente, jantaram juntos. O garçom desmaiou no meio do serviço. De madrugada, Jurema disse que se considerava dispensado da “proteção” oferecida por seu anfitrião na condição de hóspede involuntário: tinha residência fixa, era parlamentar eleito e havia servido a um governo constituído. Bizarria Mamede consultou por telefone o general Castello Branco e voltou sorrindo: Jurema estava liberado. Dali, abrigou-se no apartamento de um amigo e depois pediu asilo na embaixada peruana. Ao chefe dos policiais que foram procurá-lo em todos os cantos de sua casa em Botafogo, um jovem auxiliar, conterrâneo de Jurema, replicou: “O senhor já viu paraibano se esconder debaixo da cama?”.
Colaboradores: André Petry, Augusto Nunes, Carlos Graieb, Diogo Schelp, Duda Teixeira, Eurípedes Alcântara, Fábio Altman, Giuliano Guandalini, Jerônimo Teixeira, Juliana Linhares, Leslie Lestão, Otávio Cabral, Pedro Dias, Rinaldo Gama, Thaís Oyama e Vilma Gryzinski.
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24/04/2014 às 7:57 \ O País quer Saber
Especial Veja: Tancredo Neves, o mineiro contra as fúrias
Publicado na edição impressa de VEJA
“Deus faça com que eu esteja enganado, mas creio ser este o passo do presidente que irá provocar o inevitável, a motivação final para a luta armada.” O líder da maioria na Câmara dos Deputados, Tancredo Neves, era um homem temente da potestade divina, mas sabia muito bem como estavam incontroláveis as forças já à solta quando João Goulart contrariou seu apelo final ao bom-senso e decidiu comparecer à festa dos sargentos no Automóvel Clube, no Rio de Janeiro, no dia 30 de março, o empurrão final para o golpe pelo que representava de um quase literal tapa na cara da hierarquia militar.
Dezessete dias antes, um ainda pouco conhecido cineasta de cabeleira encaracolada chamado Glauber Rocha havia lançado um filme difícil de entender (filmou uma coisa; na hora da montagem, quis outra), mas de título fácil de ser guardado: Deus e o Diabo na Terra do Sol. Tancredo tentava puxar Jango para o lado do primeiro titular do filme de Glauber, mas os que empurravam para o lado do segundo eram mais fortes: os conselheiros militares, chamados de “generais do povo”, achavam que o presidente sairia consagrado da festa. Horas depois, os generais do mundo real já estavam com a tropa na rua.
A divisão entre os militares legalistas e os golpistas (e, entre estes, os da linha branda e os da linha dura) era um espelho dos rachas em curso no Brasil de 1964. O partido de Tancredo, o PSD, também estava dividido (da mesma forma que o outro partido criado por Getúlio Vargas, o PTB; as diferentes lideranças sindicais; as linhagens comunistas divergentes; e, notoriamente, a própria família presidencial). Nem o mais hábil dos hábeis políticos mineiros, nem o homem que dava nó em pingo d’água, que havia sido primeiro-ministro no interregno parlamentarista criado para contornar o primeiro surto golpista contra um João Goulart elevado a presidente pela renúncia de Jânio Quadros, controlaria as fúrias à solta, mas Tancredo tentaria até o fim.
Como Jango, foi para Brasília no dia 1º de abril e enfrentou a manobra do presidente do Senado, Auro de Moura Andrade, para declarar a vacância da Presidência com um inútil contracomunicado combinado com o chefe da Casa Civil, Darcy Ribeiro, no quase vazio Palácio do Planalto, para desmoldar a realidade: o presidente já estava mesmo em retirada. “Comunico ao Congresso Nacional que o senhor João Goulart deixou, por força dos notórios acontecimentos de que a nação é conhecedora, o governo da República”, proclamou Moura Andrade já na madrugada do dia 2. “Canalha, canalha, canalha”, sibilou Tancredo.
Quando ficou claro que os militares estavam para ficar e o general Castello Branco seria eleito presidente pelo Congresso, comentou com o ex-presidente Juscelino Kubitschek, colega de partido e favorito para uma reeleição que nunca aconteceria: “Eu tenho todos os motivos para votar em Castello e não vou votar; você tem todos os motivos para não votar e vai”. Falou e fez: foi o único político do PSD a não chancelar Castello. Num embate final com forças sombrias na terra do sol, morreu, em 1985, sem assumir o primeiro mandato presidencial pós-ditadura. É um dos dois personagens retratados nestas páginas a ter um neto, Aécio Neves, aspirando à Presidência; o outro é Miguel Arraes, avô de Eduardo Campos.
Colaboradores: André Petry, Augusto Nunes, Carlos Graieb, Diogo Schelp, Duda Teixeira, Eurípedes Alcântara, Fábio Altman, Giuliano Guandalini, Jerônimo Teixeira, Juliana Linhares, Leslie Lestão, Otávio Cabral, Pedro Dias, Rinaldo Gama, Thaís Oyama e Vilma Gryzinski.
Tags: Getúlio Vargas, Glauber Rocha, Jânio Quadros, João Goulart, Juscelino Kubitschek, Tancredo Neves
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23/04/2014 às 7:22 \ O País quer Saber
Especial VEJA: Brigitte Bardot – E Búzios criou essa mulher
Publicado na edição impressa de VEJA
Brigitte Bardot estava arrumando as malas em 31 de março de 1964. Encerrava um dos períodos mais tranquilos de sua trajetória infernal de celebridade assediada e atormentada, vivido na pouco conhecida vila de pescadores chamada Armação de Búzios. Acabava ali também o chamado verão dos inocentes, quando os biquínis já estavam incorporados às areias do Rio e adjacências, as primeiras pranchas de fibra de vidro apareciam no Arpoador e, sob o sol de até 35,8 graus, três mulheres ocupavam a imaginação dos brasileiros: a jovem e comentada primeira-dama Maria Thereza Goulart; a angelical miss Universo Ieda Maria Vargas; e a escandalosamente sensual BB.
Trazida por um namorado com ligações com o Brasil, o playboy Bob Zagury, ela havia desembarcado de um DC-8 da Panair no Galeão, em 7 de janeiro, usando um casaco de gola de pele e com a aura de deusa do sexo que a acompanhava desde E Deus Criou a Mulher. Feito oito anos antes, o filme ainda era comentado em voz baixa quando havia crianças na sala: Brigitte aparecia nua.
Quando ocorreu o golpe, os pais da atriz chegaram a procurar informações na Embaixada do Brasil em Paris. BB continuou embriagada pelo espumejante “mar de champanhe azul” que encontrou aqui: sem entender exatamente o que acontecia, em 4 de abril festejou com amigos no Rio, na boate Top Club, a vitória do novo regime. “Adorei a revolução no Brasil. Não houve morte nem tiros”, foi a declaração colocada no inesquecível biquinho, quando voltou a Paris.
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22/04/2014 às 7:35 \ O País quer Saber
Especial VEJA: Ieda Maria Vargas, a constelação da gaúcha
Publicado na edição impressa de VEJA
Aos 18 anos, Ieda Maria Vargas era a mulher mais linda de todas as galáxias. Pelo menos aos olhos dos cinco jurados que no dia 20 de julho de 1963 a elegeram Miss Universo. Linda e abstraída de questões políticas. Quando chegaram a Miami as primeiras notícias da deposição do presidente João Goulart, ela só notou algo estranho no comportamento do pai, que estava nervoso e fumando muito. As coisas iam mudar, e para pior, dizia ele. O motivo estava no doce apadrinhamento da política brasileira. Consagrada com o título e recebida em palácio pelo presidente, ela só poderia cumprir suas elevadas funções com o consentimento paterno se a família fosse toda para os Estados Unidos, uma mudança economicamente inviável. Solução: Jango nomeou o conterrâneo José Vargas, professor remotamente aparentado com Getúlio Vargas, para um cargo diplomático em Miami. Era o risco de perdê-lo que causava inquietação ao pai de Ieda nos instáveis dias do fim de março e começo de abril de 1964.
O regime mudou, mas a vida da família continuou a mesma. O pai manteve o cargo e Ieda, sua rotina de miss, dividida entre a casa da família em Miami Beach durante o dia e as noites passadas num hotel, em companhia de uma chaperona, espécie de governanta, que a acompanhava também nas viagens ao exterior. “Acho até que para os militares foi mais interessante ter uma miss do Brasil”, relembra Ieda. Convidada para um jantar em Brasília com o novo general-presidente, Humberto Castello Branco, avaliou: “Um baixinho cheio de superstições. Evitava passar sob escadas e arcos”. Mas com poder. Quando enfrentou dificuldades em trazer para o Brasil um Impala, carrão da GM que poucos brasileiros podiam ter, apelou ao baixinho. Problema resolvido. Ieda manteve contato com o casal Goulart, exilado no Uruguai, e ficou amiga de Maria Thereza, que viria a ser sua madrinha de casamento: “Falávamos de roupa, revista, filho. De política, nada”. As conexões de Ieda na constelação gaúcha tinham uma complexidade adicional: uma prima dela se casou com um dos filhos de Emílio Garrastazu Médici. “Desde que era mocinha até o tempo em que ele foi presidente, passamos muitas noites jogando biriba.” Chamava-o pelo apelido familiar, Milito.
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21/04/2014 às 7:13 \ O País quer Saber
Especial VEJA: Adhemar de Barros, o homem do cofre
Publicado na edição impressa de VEJA
Ademar de Barros (à esq.) e o então governador do Paraná Moyses Lupion, em 1947
“Ademá, Ademá, é mió e num faz má”. Com sotaque arrastadamente caipira, a dupla Alvarenga e Ranchinho parodiava o comercial do mais conhecido analgésico da época. Quem mais gostava era o próprio Adhemar de Barrros, o governador paulista com uma trajetória política convoluta: médico e culto, fazia-se de bronco; de engajado na Revolução Constitucionalista em 1932 , em 1938 já era interventor em São Paulo nomeado justamente por Getúlio Vargas; populista criador original do “rouba mas faz”, rejeitado pelas elites paulistas, assumiu ao lado delas uma das correntes de apoio à conspiração anti-Jango e chegou a março de 1964 com tudo encadeado, inclusive um manifesto de sua autoria assinado por outros seis governadores para os quais a situação nacional ia de “má a piorrr”, para ficar no dialeto.
“Esta revolução vem atrasada de um ano”, disse no Palácio dos Campos Elíseos, na manhã de 31 de março. Ele próprio era um adesista relativamente recente: só entrou de cara, mas sempre com uma margem de segurança, quando viu que era impossível uma aliança com o PTB de Jango que o levasse à Presidência, perdida no voto para Jânio Quadros. A conspiração em São Paulo tinha um alto nível de organização, envolvendo políticos, militares, empresários e estudantes anticomunistas ─ numa de suas manifestações, a lista de clubes onde armazenavam faixas é conhecida até hoje por frequentadores das classes endinheiradas: São Paulo Golf Club, Jockey, Pinheiros, Monte Líbano, Ipê, Harmonia e Paulistano. Nada porém se comparou à gigantesca Marcha da Família com Deus pela Liberdade, montada em apenas cinco dias, como reação ao comício de 13 de março da Central do Brasil, com a participação de meio milhão de pessoas (“Verde e amarelo, sem foice e martelo”, dizia uma das inúmeras faixas). Representado na Marcha pela mulher, Leonor, Adhemar sobrevoou-a de helicóptero. Segundo o historiador Hélio Silva, “Adhemar pensava que o movimento revolucionário implantaria um triunvirato: um general, um ministro do Supremo Tribunal Federal e um elemento civil da conspiração, que seria ele.
Nos seus planos, haveria divergências e, em seis meses, dominaria o triunvirato e chegaria a chefe da Nação”. Na verdade, dois anos depois do golpe ele estava cassado. Morreu em 1969, de um ataque cardíaco sofrido durante visita ao santuário de Lourdes. Quatro meses depois, um comando da Vanguarda Armada Revolucionária Palmares roubou um cofre, com 2,5 milhões de dólares não contabilizados, que estava na mansão de uma amante de Adhemar de Barros, no Rio. A ação armada foi comandada por Carlos Araújo, com apoio de retaguarda de sua companheira e namorada, uma jovem militante de óculos de fundo de garrafa chamada Dilma Vana Rousseff.
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20/04/2014 às 7:21 \ O País quer Saber
Especial VEJA: Juscelino Kubitschek ─ A reeleição que nunca houve
Publicado na edição impressa de VEJA
Havia seis candidatos a presidente em 1964. Todos, portanto, interessados em chegar até 1965. Ou seja, empurrar a crise até a próxima eleição presidencial. O mais interessado de todos era Juscelino Kubitschek (os outros candidatos eram os governadores Carlos Lacerda, Adhemar de Barros e Miguel Arraes; além do próprio presidente João Goulart e seu cunhado Leonel Brizola, no caso de uma feitiçaria constitucional que os livrasse da inelegibilidade). As pesquisas de opinião já davam 37% dos votos para que ele voltasse à elegante cidade que havia criado do nada, deixando uma nada bela encrenca econômica, mas a imagem de político inovador nas realizações públicas e conciliador nas tratativas particulares. À véspera do golpe, conciliação era uma moeda em falta até mesmo no trato entre dois homens pouco sanguíneos como JK e Jango. A aliança política entre o PTB de Goulart e o PSD de Juscelino estava irreversivelmente deteriorada.
Em 1963, o presidente avisou o senador, eleito por Goiás, que ele não mais poderia contar com o apoio do PTB para sua candidatura presidencial. Em 15 de março, propôs ao Congresso mudar a Constituição e permitir a sua reeleição. “Ele passou dos limites. Saiu da legalidade que o sustentava”, reagiu Juscelino. Mesmo contra todas as evidências, na manhã de 31 de março Juscelino ligou para o Palácio Laranjeiras. Quando finalmente o atenderam, mandou chamar o oficial do dia e ditou: “Aqui está falando o senador Juscelino Kubitschek. Anote no seu livro de ocorrências que eu estou tentando telefonar para o presidente João Goulart há várias horas e ninguém atende”. Quando Jango retornou a chamada, JK apelou-lhe que interrompesse a marcha da insensatez. Suas palavras não surtiram efeito e, se surtissem, dificilmente mudariam o rumo dos acontecimentos.
Quarenta minutos depois, Juscelino soube por José Maria Alkmin ─ que havia sido seu ministro da Fazenda e era casado com uma prima sua ─ que o golpe já estava em curso. Às 4 horas da tarde, Jango pediu a JK que o visitasse no já quase vazio Laranjeiras. Recebeu-o no quarto. Juscelino sentou-se em uma das camas e fez o apelo final: “Você tem de fazer dois manifestos. Um tranquilizando a nação em relação ao problema do comunismo. O outro, às Forças Armadas, em que você evoca para si o problema da Marinha e resolve tudo no respeito aos regulamentos e à hierarquia”. Como havia feito com todos os conselhos semelhantes, Jango se recusou: “Se eu fizer isso dou uma demonstração de medo, e um homem com medo não pode governar o país”. JK, que havia sobrevivido às próprias crises militares e aplicava só dosadamente a tática do confronto, tinha uma máxima mais realista: “No Brasil, elege-se pelo povo, mas governa-se com os olhos voltados para as classes armadas”.
Onze dias depois, JK votava no Congresso para que o general Humberto Castello Branco se tornasse o primeiro presidente do regime militar. Em pouco tempo, como todos os outros candidatos em potencial à eleição que nunca existiu em 1965, estava cassado e exilado. “Caí na armadilha do Castello Branco”, disse anos depois. “Caímos todos.” Menos o primo torto, José Maria Alkmin, que virou vice de Castello.
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“Quando a gente vê aquela fala do nosso grande autor dos sertões, que diz o seguinte: O nordestino é, antes de tudo, um forte...”Dilma Rousseff, em cerimônia de entrega de máquinas na região do semi-árido baiano, internada por Celso Arnaldo Araújo ao conseguir derrubar da frase célebre, depois de 112 anos de resistência, o invencível sertanejo de Euclides da Cunha.
(clique aqui e confira outras frases)
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