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24/09/2013 às 22:27
Não conheço o médico Alexandre Gustavo Bley, que já é, a esta altura, ex-presidente do Conselho Regional de Medicina do Paraná. Ele renunciou ao cargo nesta terça-feira. E o fez, entendo eu, por respeito às leis, aos princípios do regime democrático, à dignidade do seu cargo, à ética de sua profissão. Não estou aqui a dizer que outros devam segui-lo. Talvez o ministro Alexandre Padilha até sonhe com isso — restaria a possibilidade de entregar os conselhos à companheirada. Sempre há um “companheiro” de olho numa boquinha. Se a gente se distrai, eles aparelham festa de batizado, churrascada, reunião da Tupperware e visita de vendera do Avon. A leitora pensa que vai comprar um batom e pimba! Cai vítima da abdução.
Bley renunciou. Não aceitou ceder às pressões do governo. E escreveu uma carta que merece ser lida com cuidado. Abre com uma epígrafe. Leiam o que vai abaixo.
*
A covardia coloca a questão: É seguro?O comodismo coloca a questão: É popular?A etiqueta coloca a questão: Ë elegante?Mas a consciência coloca a questão: É correto?E chega uma altura em que temos de tomar uma posição que não é segura, não e elegante, não é popular, mas temos de fazê-lo porque a nossa consciência nos diz que é essa a atitude correta.Martin Luther King
Caros colegas Conselheiros,
Há 10 anos iniciei minha vida dentro do Conselho Regional de Medicina do Paraná. Confesso que foi nesse ambiente que aprendi o real significado da palavra ÉTICA. Um conceito que possibilita o convívio entre as pessoas e traduz o conjunto de valores morais e princípios de uma sociedade. Portanto, é plural, mas auxilia cada um nas decisões cotidianas do que queremos, podemos e/ou devemos fazer. Da mesma forma, as leis norteiam o cidadão no caminho da justiça, o que, a principio, seria eticamente aceito. O grande problema é quando a lei se dissocia da ética.
No momento em que o governo federal emitiu a Medida Provisória 621/13, que instituiu o Programa Mais Médicos, criou-se um “arcabouço legal” para que o programa existisse, inclusive passando por cima de leis já consagradas. Já se passaram 70 dias, após a exposição de inúmeras incongruências da medida, modificações foram propostas, e dois decretos foram emitidos na tentativa de legitimar a ação do governo. Portanto as “leis” estão postas, mas será que todo esse processo é ético? Aos meus olhos, não.
O diagnóstico feito pelo governo de que o Brasil necessita de um maior número de médicos no sistema público é correto, para não dizer óbvio, mas, desde o inicio, os Conselhos de Medicina, criados legalmente para proteção da sociedade, têm alertado que a causa apontada e o tratamento instituído são absolutamente incorretos. A MP 621/13 passa ao largo da solução definitiva de um acesso à saúde, tanto em quantidade quanto em qualidade, condizente com as demandas do povo. Já de muito tempo se denuncia o subfinanciamento da saúde e a má gestão, porém, como de praxe, o governo federal varre para baixo do tapete sua própria sujeira, tentando se eximir da responsabilidade que lhe cabe e colocando a culpa em toda classe médica.
A vinda de profissionais formados no exterior rende manchetes diariamente, seja pela nacionalidade ou agora pelos documentos de inscrição. O vergonhoso envio de dinheiro público para a ilha de Cuba, através da contratação de profissionais subjugados, expõe a moral deste governo. Na mesma linha, a forma autoritária e açodada com que os registros provisórios nos conselhos estão sendo tratados demonstra a falta de zelo com a segurança da saúde do povo. Inúmeros problemas foram encontrados e já noticiados, como documentos trocados, falta de autenticações, falta de diplomas, falta do local de trabalho, nome do supervisor responsável, entre outros.
Após ampla celeuma, a Advocacia Geral da União admitiu em ação civil pública proposta pelo Cremers, que os requisitos dispostos na MP 621/13 podem e devem ser observados, porém o governo não tem corno atendê-los agora. Tal situação ensejou o CFM a “liberar” os CRMs da exigência de ter o nome dos supervisores, tutores e locais de trabalho, concedendo o registro e dando um prazo de 15 dias para regularização. Penso que é uma atitude no mínimo temerária, pois, uma vez liberado o registro, como voltar atrás ? Aguardar esses poucos dias para, de posse de todos os documentos, proceder o registro seria o mais sensato, como noticiamos abertamente para toda a nação durante vários dias. Lembro que há exatos 56 anos os Conselhos de Medicina foram criados e se tornaram responsáveis pela inscrição dos médicos, habilitando o exercício profissional seja definitivo ou provisório, o que possibilita a fiscalização e o julgamento dos possíveis desvios éticos cometidos. A mesma medida é tomada para qualquer médico que vem se inscrever, seja brasileiro ou estrangeiro, formado no exterior ou não. Tudo isso com o intuito de levar segurança à população; logo, penso que não podemos e não temos o direito de abrir mão do nosso dever legal.
Entretanto a pressão do governo sobre os Conselhos já passou o campo da argumentação e de forma clara passou à intimidação, colocando em risco a existência destas instituições, bem corno a moral dos conselheiros que procuram contribuir para a representação de nossa instituição. Por isso entendo que a medida tomada na plenária, de inscrever esses profissionais e aguardar o restante dos documentos, conforme orientação do CFM, pode ter sido a forma mais sensata para se evitar um mal maior. Não tenho dúvida de que sem a presença do Conselho a sociedade ficará mais desprotegida. Entretanto, essa obrigatoriedade de inscrição, ao arrepio da lei, do próprio contexto da MP 621 e da ética, me incomoda e me faz tomar uma atitude. A luta é árdua, pois a força governamental é infinitamente superior, e a preservação da instituição tem que ser priorizada. As pessoas passam, mas as instituições devem ficar.
Todos sabem que, ao longo de minha gestão, primei pela retidão de conduta e me expus demasiadamente na defesa do que entendemos ser o correto para a saúde. Devido à grande visibilidade, não me sinto nem um pouco confortável em assinar uma carteira de habilitação sem que TUDO esteja na mais absoluta correção, conforme o zelo e a isenção que sempre norteou as ações do CRM. Caros colegas, não se trata de intransigência de minha parte, mas sim de coerência. O governo, de forma unilateral, me diz que eu devo fazer, porém não posso, pois minha consciência e minha historia não permitem.
A decisão que estou tomando está sendo muito dolorosa, pois sei das implicações que traz. Pensei e pesei a minha atitude, abri mão da vaidade e me despi de qualquer apego a cargo ou status. Gostaria de pedir desculpas a vocês, meus colegas de conselho, aos funcionários, à ciasse médica e ao povo do Paraná, mas a situação está insustentável para a minha pessoa.
Diante do exposto, renuncio ao posto de Presidente do CRM-PR, mas não da luta pela definição de políticas de estado para que o acesso à saúde saia do patamar vexatório em que se encontra e faça jus ao que a Constituição Brasileira traz em seu texto, qual seja, um real direito de cada cidadão. Saio da representação e retorno para junto dos milhares de médicos que jamais se furtaram de participar desse debate, pois somos forjados nos bancos da escola para, acima de tudo, salvaguardar a vida das pessoas.
Confesso a todos que prefiro a vergonha da renúncia a ter que conviver com a vergonha de ter traído a minha consciência, pois, quando um indivíduo abre mão de suas convicções, perde sua identidade e o significado de sua existência.
Atenciosamente e com profundo respeito,
Alexandre Gustavo Bley
Por Reinaldo Azevedo
- Tags: Medicina, Programa Mais Médicos
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