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Ano IX Sáb, 21 de Setembro de 2013 Número 227
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ESCRITO POR OLAVO DE CARVALHO | 21 SETEMBRO 2013
ARTIGOS - CULTURA
Desde o tempo do “Imbecil” eu já havia notado que, no Brasil dos anos 80 em diante, a demonstração lógica é tida na conta de imposição autoritária e, em compensação, a adesão devota, impulsiva e acrítica ao discurso coletivo politicamente correto vem sempre com o rótulo de “pensamento independente”.
A história das reações da esquerda à minha presença no cenário público brasileiro divide-se em três fases.
Na primeira, que se seguiu imediatamente à publicação de “O Imbecil Coletivo” (1995), os guias iluminados dessa facção política saltaram todos sobre a minha pessoa como um esquadrão de ninjas alucinados, imaginando, desde um sentimento de augusta superioridade, que poderiam suprimi-la do universo com dois ou três sopapos.
Deram-se muito mal e, quando da minha edição dos “Ensaios Reunidos” de Otto Maria Carpeaux (1999), da qual não podiam falar mal sem arranhar a pele póstuma de um ídolo do esquerdismo, passaram à segunda fase, a Operação Vaca Amarela, ou Boca-de-Siri, condensada na instrução baixada pelo comissário geral Milton Temer a todos os militantes e companheiros de viagem do comunismo pátrio: do Olavo de Carvalho não se fala. Quer dizer: não se fala em público. Não se fala, porque ele responde, porca miséria, e aí a gente passa vexame. Em privado, longe dos ouvidos do monstro, sem o menor perigo de um revide, podia-se rosnar à vontade, fazer a caveira do desgraçado, inventar contra ele as histórias mais escabrosas. Podia-se e devia-se fazer isso sobretudo nas salas de aula, vacinando a juventude contra a tentação de ler o que ele escreve, ensinando-a a odiá-lo sem ter de passar por esse doloroso sacrifício preliminar. Trocaram assim o ataque frontal pelo zunzum sorrateiro e onipresente, planejado para transferir o abacaxi às mãos da geração mais nova e produzir, sob as aparências de uma retirada geral, os mais bombásticos efeitos de longo prazo.
A coisa foi bem calculada, até certo ponto: a terceira fase eclodiu quando o muro de silêncio erigido na grande mídia foi rompido na esfera bloguística. De repente, centenas de jovens impregnados de visceral anti-olavismo começaram a desferir-me os ataques mais cretinos, despropositados e involuntariamente cômicos, tentando vencer pelo número e dispensando seus mestres de passar vergonha pessoalmente. De uma fase à outra decorreram aproximadamente quinze anos – o prazo que, em “La Teoría Historica de las Generaciones”, Julián Marías diz marcar o trânsito entre duas gerações de agentes históricos.
Devo confessar que eu mesmo contribuí, inadvertidamente, para o sucesso da transição. Em 2006, cansado de receber mais e-mails de amigos, alunos e leitores do que jamais daria conta de responder por escrito, criei o programa “True Outspeak” para me comunicar com esse círculo de interessados mais facilmente, calculando que no rádio a gente fala umas vinte linhas por minuto e levaria uma hora inteira para escrevê-las. Sendo o programa como que um encontro em família, eu podia ali me contentar com afirmações compactas e sumárias, ciente de que, em caso de dúvida, aquele público afeito ao meu trabalho procuraria maiores explicações nos meus livros, nos meus artigos e nas quase quarenta mil páginas de transcrições das minhas aulas, muitas já catalogadas e indexadas. Contra todas as minhas intenções e previsões, o programa acabou sendo ouvido por centenas de milhares de pessoas, que, jamais tendo lido uma só linha da minha autoria nem presenciado qualquer das minhas aulas, não podiam captar corretamente as alusões e subentendidos de que aquela conversa estava repleta, e acabavam vendo naqueles improvisos não raro despudoradamente humorísticos a expressão formal e acabada do meu pensamento, dando por pressuposto que eu nada mais sabia nem dissera a respeito.
Para os que vinham da universidade babando de vontade de dizer alguma coisa, qualquer coisa, contra o abominável Olavo de Carvalho, foi um prato cheio. O pesquisador interessado nesse capítulo estranhíssimo da devastação cultural nacional confirmará que, na totalidade dos casos, os referidos nada mais conheciam das minhas idéias senão o que tinham ouvido em duas ou três emissões radiofônicas, o que não os impedia de, com base nelas, lançar os mais temerários julgamentos de conjunto sobre a minha pessoa e obra, um deles chegando até a falar de “trajetória de vida inteira” sem saber absolutamente nada a respeito. Não podendo responder a um por um como fazia com seus gurus no tempo do “Imbecil Coletivo”, tomei por norma selecionar a esmo alguma dessas baratas de vez em quando e esmagá-la em público para não encorajar as outras por omissão. Meus alunos e leitores habituais nem sempre gostam disso: dizem que estou batendo em criança e desperdiçando tempo. Mas, da minha parte, entendo que esses episódios têm de ser documentados porque um dia, quando o QI da nação voltar ao normal, ninguém vai acreditar que sucederam.
Um detalhe significativo nessa inumerável produção de micagens histéricas é que, no instante mesmo em que estou desmontando um por um esses arremedos de argumentos, com todos os requintes da lógica e uma paciência de Jó, seus autores berram que sou “avesso ao debate” e que não argumento jamais, só xingo e “desqualifico os adversários” – expressão que subentende terem eles alguma qualidade.
Desde o tempo do “Imbecil” eu já havia notado que, no Brasil dos anos 80 em diante, a demonstração lógica é tida na conta de imposição autoritária e, em compensação, a adesão devota, impulsiva e acrítica ao discurso coletivo politicamente correto vem sempre com o rótulo de “pensamento independente”. Esse vício indescritivelmente grotesco tornou-se ainda mais deprimente quando transmitido a uma nova geração que, alfabetizada no método socioconstrutivista, tem tudo para não entender nada e para deformar por completo o senso das proporções no julgamento do que quer que seja.
Publicado no Diário do Comércio.
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